<b><font color=0094E0>Festa das artes de volta à Atalaia</b></font>
Mais de meia centena de artistas mostram este ano os seus trabalhos na XVI edição da Bienal de Artes Plásticas da Festa do Avante!. Na Quinta da Atalaia estarão ainda patentes uma exposição de escultura e duas mostras evocativas.
Todas as artes no maior evento político-cultural do País
Quase a chegar à maioridade, a Bienal de Artes Plásticas da Festa do Avante! promete este ano voltar a ser uma mais-valia no maior evento político-cultural do País. No espaço destinado à iniciativa vão marcar presença várias obras de diversas disciplinas actualmente consideradas património do desenvolvimento das artes plásticas.
Das artes bidimensionais e tridimensionais às homólogas multimédia e performativas, todas se vão encontrar na Festa que é a de Abril, e que, também por isso, não fecha a expressão artística deixando-a limitada a um restrito nicho da população, mas, pelo contrário, abre as portas de par em par, sem qualquer custo adicional, aos que dela queiram usufruir, contribuindo desta forma para a democratização das artes e a sua aproximação às massas trabalhadoras.
A nível nacional, foram entregues a concurso um total de mais de 400 trabalhos de 140 artistas. A selecção decorreu até ao passado dia 10 de Julho – sob a responsabilidade de um júri constituído pelos artistas plásticos Eduardo Neves, João Duarte, Nuno Pedrosa e Sérgio Vicente, e pelo membro da Comissão Executiva da XVI Bienal da Festa do Avante!, Filipe Diniz –, tendo sido escolhidas para apresentação na Festa 87 obras de 58 artistas.
No âmbito da bienal vão igualmente estar patentes outras três exposições. Uma de escultura comissariada pelo escultor Sérgio Vicente, e outras duas evocativas dedicadas aos malogrados artistas plásticos Luís Ralha e Bartolomeu Cid dos Santos (ver textos nestas páginas).
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Luís Ralha
«Toda a arte tem uma função social, toda a proposta contém uma ideia sobre o mundo e sobre a espécie humana» dizia repetidamente Luís Ralha.
A sua actividade, desde que tinha terminado o curso de pintura na Escola Superior de Belas-Artes de Lisboa (ESBAL) tinha sido dirigida sobretudo para a área do design, onde se notabilizou como profissional e como professor.
Esse exercício deu-lhe um rigor de execução, de atenção ao pormenor, ao acabamento, ao cuidado colocado no projecto, no enunciado do projecto que transpôs para a pintura quando pintar voltou a ocupar mais espaço na sua actividade.
Depois de uns anos em Moçambique, onde a marca da sua passagem continua a ser visível, volta a Portugal em 1984 e dois anos depois, sem nunca abandonar o design, começa a expor uma pintura de minúcias e detalhes preciosos, cores luxuosas nos lances poéticos da «Menina dos Balões», na indisfarçável angústia nas multidões que caminhavam para algum lado ou lado nenhum sob céus em fogo, no rigor de paisagens urbanas e industriais definidas em planos muito precisos, nas naturezas mortas com pormenores inusuais. Olhando-se para a pintura de Luís Ralha rapidamente nos apercebemos que existe uma ideia motora, que existe um projecto que antecede o desenvolvimento formal que se vai resolver no combate final com a tela, espalhando tintas, delimitando formas, colocando figuras humanas, vegetais ou minerais, registando ambientes, criando texturas dentro de um enquadramento de linhas que nunca são óbvias mas que se vão pouco a pouco descobrindo, dramatizando situações, colocando sinais, orientando olhares, dando sentido e significado à obra quando o artista a dá por finda para se iniciar o enunciado da fala do pintor com o(s) seu(s) interlocutor(es).
Olhando para os seus quadros poderemos legitimamente presumir que é um trabalho que avança com propositada lentidão, como pão a levedar, a ser cozinhado em forno lento para adquirir toda a paleta dos seus sabores. Poderemos imaginar o pintor experimentando o prazer da mão empunhando os pincéis que fazem crescer na tela a imagem que ele sabe ir fazer aparecer mas que adquire toques inesperados logo aceites ou rejeitados, até um dia a dar por acabada.
Contrariamente a esse exercício pictórico as esculturas que projectou, algumas foram realizadas sendo a mais conhecida a que está em Alverca, comemorando os 30 anos do 25 de Abril, é enxuta da multiplicação de sinais tendo uma leitura mais imediata, o que não é sinónimo de menor complexidade. O conhecimento dos materiais e da sua manipulação conformam e enformam a expressão artística de Luís Ralha «em permanente confronto com todas as áreas de conhecimento».
Bartolomeu Cid dos Santos
Bartolomeu dos Santos é na gravura um dos artistas mais importantes a nível mundial no séc. XX, tanto pela sua obra como pela sua actividade como professor na Slade School, em Londres, que alterou radical e universalmente o ensino dessa disciplina artística.
Bartolomeu, o «Barto» como era conhecido pelos amigos, era um homem extraordinário que quase até ao fim da sua vida a viveu com a mesma energia de um jovem acabado de entrar em rompante vigoroso na idade adulta. Extraordinário pelas memórias que não deixava armazenadas nas prateleiras, recuperando-as e transformando-as em sucessos na hora e no dia em que estava sentado e que partilhava entusiasmado para que nada se repetisse, tudo se transfigurasse e que muitas vezes acabasse por adquirir o registo de obra de arte. Extraordinário pela cultura, na sua acepção mais ampla, e erudição que inscrevia discreta e naturalmente no seu quotidiano, pontuando o que dizia, o que produzia. Extraordinário pela alegria de viver com que contaminava os lugares por onde passava, onde estava, abrindo janelas para as festas que espontaneamente aconteciam à sua volta que partilhava com os amigos, os muitos amigos que o acompanhavam nas suas aventuras qualquer que fosse a aventura, desde beber um copo, ouvir uma sinfonia, sonhar um projecto artístico, simplesmente falar de um acontecimento familiar, introduzindo sempre algo de invulgar mesmo na mais plana das trivialidades.
Extraordinário porque à sageza de saber que poucas coisas são essenciais à vida fazia da vida coisa essencial que merecia ser vivida. Extraordinário pela obra artística que realizou e que contribuiu decisivamente para a autarcia mundial da gravura, pelo seu trabalho de mestre baseado em Londres de onde partia para as mais consideradas escolas de artes das quatro partidas do mundo.
A sua obra é de grande singularidade. Percorre-a uma inquietação sem limites que o faz mergulhar na aventura do mundo para o interrogar e questionar em todos os azimutes. Propõe questões que problematizam as relações entre o mundo colectivo e o mundo individual, e se olha para o seu mundo interior perscrutando-o. A crítica política violenta esteve sempre presente na sua obra desde o combate ao fascismo à denúncia feroz do imperialismo norte-americano.
Bartolomeu dos Santos é o gravador português mais importante de sempre e um dos maiores gravadores da História de Arte Contemporânea.
Manuel Augusto Araújo
Das artes bidimensionais e tridimensionais às homólogas multimédia e performativas, todas se vão encontrar na Festa que é a de Abril, e que, também por isso, não fecha a expressão artística deixando-a limitada a um restrito nicho da população, mas, pelo contrário, abre as portas de par em par, sem qualquer custo adicional, aos que dela queiram usufruir, contribuindo desta forma para a democratização das artes e a sua aproximação às massas trabalhadoras.
A nível nacional, foram entregues a concurso um total de mais de 400 trabalhos de 140 artistas. A selecção decorreu até ao passado dia 10 de Julho – sob a responsabilidade de um júri constituído pelos artistas plásticos Eduardo Neves, João Duarte, Nuno Pedrosa e Sérgio Vicente, e pelo membro da Comissão Executiva da XVI Bienal da Festa do Avante!, Filipe Diniz –, tendo sido escolhidas para apresentação na Festa 87 obras de 58 artistas.
No âmbito da bienal vão igualmente estar patentes outras três exposições. Uma de escultura comissariada pelo escultor Sérgio Vicente, e outras duas evocativas dedicadas aos malogrados artistas plásticos Luís Ralha e Bartolomeu Cid dos Santos (ver textos nestas páginas).
Luís Ralha
«Toda a arte tem uma função social, toda a proposta contém uma ideia sobre o mundo e sobre a espécie humana» dizia repetidamente Luís Ralha.
A sua actividade, desde que tinha terminado o curso de pintura na Escola Superior de Belas-Artes de Lisboa (ESBAL) tinha sido dirigida sobretudo para a área do design, onde se notabilizou como profissional e como professor.
Esse exercício deu-lhe um rigor de execução, de atenção ao pormenor, ao acabamento, ao cuidado colocado no projecto, no enunciado do projecto que transpôs para a pintura quando pintar voltou a ocupar mais espaço na sua actividade.
Depois de uns anos em Moçambique, onde a marca da sua passagem continua a ser visível, volta a Portugal em 1984 e dois anos depois, sem nunca abandonar o design, começa a expor uma pintura de minúcias e detalhes preciosos, cores luxuosas nos lances poéticos da «Menina dos Balões», na indisfarçável angústia nas multidões que caminhavam para algum lado ou lado nenhum sob céus em fogo, no rigor de paisagens urbanas e industriais definidas em planos muito precisos, nas naturezas mortas com pormenores inusuais. Olhando-se para a pintura de Luís Ralha rapidamente nos apercebemos que existe uma ideia motora, que existe um projecto que antecede o desenvolvimento formal que se vai resolver no combate final com a tela, espalhando tintas, delimitando formas, colocando figuras humanas, vegetais ou minerais, registando ambientes, criando texturas dentro de um enquadramento de linhas que nunca são óbvias mas que se vão pouco a pouco descobrindo, dramatizando situações, colocando sinais, orientando olhares, dando sentido e significado à obra quando o artista a dá por finda para se iniciar o enunciado da fala do pintor com o(s) seu(s) interlocutor(es).
Olhando para os seus quadros poderemos legitimamente presumir que é um trabalho que avança com propositada lentidão, como pão a levedar, a ser cozinhado em forno lento para adquirir toda a paleta dos seus sabores. Poderemos imaginar o pintor experimentando o prazer da mão empunhando os pincéis que fazem crescer na tela a imagem que ele sabe ir fazer aparecer mas que adquire toques inesperados logo aceites ou rejeitados, até um dia a dar por acabada.
Contrariamente a esse exercício pictórico as esculturas que projectou, algumas foram realizadas sendo a mais conhecida a que está em Alverca, comemorando os 30 anos do 25 de Abril, é enxuta da multiplicação de sinais tendo uma leitura mais imediata, o que não é sinónimo de menor complexidade. O conhecimento dos materiais e da sua manipulação conformam e enformam a expressão artística de Luís Ralha «em permanente confronto com todas as áreas de conhecimento».
Bartolomeu Cid dos Santos
Bartolomeu dos Santos é na gravura um dos artistas mais importantes a nível mundial no séc. XX, tanto pela sua obra como pela sua actividade como professor na Slade School, em Londres, que alterou radical e universalmente o ensino dessa disciplina artística.
Bartolomeu, o «Barto» como era conhecido pelos amigos, era um homem extraordinário que quase até ao fim da sua vida a viveu com a mesma energia de um jovem acabado de entrar em rompante vigoroso na idade adulta. Extraordinário pelas memórias que não deixava armazenadas nas prateleiras, recuperando-as e transformando-as em sucessos na hora e no dia em que estava sentado e que partilhava entusiasmado para que nada se repetisse, tudo se transfigurasse e que muitas vezes acabasse por adquirir o registo de obra de arte. Extraordinário pela cultura, na sua acepção mais ampla, e erudição que inscrevia discreta e naturalmente no seu quotidiano, pontuando o que dizia, o que produzia. Extraordinário pela alegria de viver com que contaminava os lugares por onde passava, onde estava, abrindo janelas para as festas que espontaneamente aconteciam à sua volta que partilhava com os amigos, os muitos amigos que o acompanhavam nas suas aventuras qualquer que fosse a aventura, desde beber um copo, ouvir uma sinfonia, sonhar um projecto artístico, simplesmente falar de um acontecimento familiar, introduzindo sempre algo de invulgar mesmo na mais plana das trivialidades.
Extraordinário porque à sageza de saber que poucas coisas são essenciais à vida fazia da vida coisa essencial que merecia ser vivida. Extraordinário pela obra artística que realizou e que contribuiu decisivamente para a autarcia mundial da gravura, pelo seu trabalho de mestre baseado em Londres de onde partia para as mais consideradas escolas de artes das quatro partidas do mundo.
A sua obra é de grande singularidade. Percorre-a uma inquietação sem limites que o faz mergulhar na aventura do mundo para o interrogar e questionar em todos os azimutes. Propõe questões que problematizam as relações entre o mundo colectivo e o mundo individual, e se olha para o seu mundo interior perscrutando-o. A crítica política violenta esteve sempre presente na sua obra desde o combate ao fascismo à denúncia feroz do imperialismo norte-americano.
Bartolomeu dos Santos é o gravador português mais importante de sempre e um dos maiores gravadores da História de Arte Contemporânea.
Manuel Augusto Araújo